12 grandes jogos do futebol dos anos 1970

Idelber Avelar
7 min readOct 28, 2020

Foi-me pedida uma lista dos 10 melhores jogos dos anos 1970, que acabaram virando 12, para contemplar todos os 12 clubes grandes e ninguém encher o saco de que está faltando o seu time.

Os jogos são escolhidos por importância, qualidade do que rolou nos 90 (ou 120) minutos e o que o jogo passaria a significar para as gerações seguintes. Todos eles estão disponíveis no YouTube pelo menos em compacto, a maioria na íntegra. Aí vão, em ordem cronológica.

1. Galo 2 x 1 Santos (campeonato brasileiro, 1971). Quando o Brasil voltou coroado rei indiscutível do futebol mundial em 1970, no México, a expectativa era enorme para o 1˚ campeonato genuinamente brasileiro (e genuinamente campeonato) a ser jogado no país. Havia vários favoritos: o Santos de Pelé e Clodoaldo, o Botafogo de Jairzinho e Paulo César Caju, o São Paulo de Gérson, o Corinthians de Rivellino, o Cruzeiro de Tostão e Piazza, enfim, as fontes da máquina que brilhou no México. Mas quem levou o título foi o GALO DE DADÁ, na verdade o Galo de Telê, uma equipe sem nenhum craque. Esse foi o jogo decisivo, no qual Pelé confirma sua condição de freguês do seu time de infância.

2. Botafogo 6 x 0 Flamengo (campeonato brasileiro, 1972). O Botafogo tinha um timaço no começo dos anos 1970, mas não levou nenhum título importante. Chegou perto em 1971, mas o Galo o barrou. Chegou de novo em 1972, mas ali já era o reinado do Palmeiras. Sua grande façanha foi essa goleada, que ficou entalada uma década nas gargantas rubro-negras. Um show de Jairzinho, partidaço maravilhoso.

3. Palmeiras 1 x 0 Corinthians (campeonato paulista, 1974). O Palmeiras foi bicampeão brasileiro de forma contundente em 1972–73, mas ganhou o campeonato em jogos meio sem graça. A grande lembrança daquela equipe é essa aí, a final do campeonato paulista de 1974, quando o Corinthians completava 20 anos sem título. Os corintianos superlotaram o Morumbi, e pelas torcidas você pensaria que o Palmeiras era um time da Argentina ou do Rio Grande do Norte. E Ademir da Guia engoliu Rivellino. Não foi um grande jogo, mas vale ser visto pelo emblema em que se transformou. É o jogo que faz com que o Corinthians chute Rivellino do Parque São Jorge.

4. Fluminense 0 x 2 Internacional (campeonato brasileiro, 1975). Sem dúvida, o jogo decisivo para o estabelecimento da maior dinastia do futebol brasileiro dos anos 1970, o Colorado. O Flu era uma verdadeira seleção brasileira, dirigida por Didi, o melhor jogador da Copa de 1958 e técnico que havia realizado a façanha de levar o Peru às quartas-de-final de uma Copa. Mas Didi tagarelou demais antes do jogo, e disse que o Inter deveria ter cuidado para não ser goleado. O Inter já vinha forte nos campeonatos anteriores, mas ninguém em SP-RJ prestava atenção. Minelli tirou o mais ofensivo Escurinho, colocou o mais defensivo Caçapava, e liberou Carpeggiani e Falcão, que PASSEARAM no Maracanã. Não foi um 2 x 0 daqueles em que um time faz um, leva sufoco e faz outro no final, não. Rivellino, Paulo César Caju, Carlos Alberto Capitão do Tri e cia. não viram a cor da bola, e o Inter esmagou o Fluminense durante 90 minutos. Os tricolores estavam acostumados com o Campeonato Carioca, em que seus craques carregavam a bola tranquilos até o meio-campo antes de passarem a ser marcados. Viveram um inferno com um time que tinha pontas (Valdomiro e Lula) que sabiam marcar a saída de bola. É um estrangulamento essa partida.

5. Cruzeiro 5 x 4 Internacional (Libertadores, 1976). O grande show de futebol que deu a segunda geração de ouro do Cruzeiro (a de Nelinho, Joãozinho, Palhinha e Roberto Batata, a quem se juntou, no final de carreira, Jairzinho), que veio suceder a geração de Tostão, Dirceu Lopes e Piazza. O Inter já era reconhecidamente o melhor time do Brasil, mas nessa noite aí o seu zagueiro gigante, Figueroa, fez a pior partida da vida. Foi um show de Joãozinho e Nelinho — em termos de pura qualidade futebolística, este talvez seja o jogo da década.

6. Fluminense 1 (1) x (4) 1 Corinthians (campeonato brasileiro, 1976). Um jogo bastante ruim, parte dele disputado sob um temporal horroroso, vencido pelo Corinthians nos pênaltis, e importantíssimo pelo show da torcida. Eram as semifinais do campeonato brasileiro e o Corinthians vivia seu 22˚ ano sem título. A torcida carioca acordou para aquele jogo em ritmo carioca: levantar-se tarde, ir à praia, almoçar, só depois ir ao Maracanã. Quando a torcida do Flu começou a chegar, mais da metade do Maracanã já estava tomada por paulistas. A ESTUPEFAÇÃO de todos com a invasão corintiana é incrível de se ver. Cenas hilárias se multiplicaram: por exemplo, gente branquela com cara de paulista, sapatos e camisa preta na praia, levando baldes de água na cara para aguentar o calor. Um show, a maior invasão interestadual de uma torcida em toda a história. Há um especial sobre esse jogo com imagens do Canal 100 e narração de Osmar Santos. Se você tiver que assistir UMA coisa de futebol no Brasil, assista esse especial.

7. Grêmio 1 x 0 Internacional (campeonato gaúcho, 1977). De novo, Mestre Telê Santana. Há uma declaração do famoso ponta Tarciso, do Grêmio, em que ele diz, uns anos antes desse jogo: ESTOU CANSADO DE PERDER PARA O INTERNACIONAL, o que deve ser a coisa mais humilhante que você pode dizer sobre o rival. Bem, a humilhação acabou aqui. Depois de oito anos apanhando, o Grêmio conseguiu ganhar o campeonato gaúcho. A partida não foi excelente, mas rendeu a melhor foto da década, a de André Catimba que ilustra este post.

8. Flamengo 1 x 0 Vasco (campeonato carioca, 1978). O começo da inacreditável urucubaca do Vasco contra o Flamengo, e marco inicial para o grande time que o Fla armaria depois. Título na mão, últimos minutos de jogo, o Vasco cede um escanteio de forma completamente desnecessária. Desce Rondinelli, deus da raça, e manda o cabeceio mais ilustre da história do clube. Uma daquelas derrotas desmoralizantes mesmo, que você entrega ao rival.

9. Flamengo 1 x 4 Palmeiras (campeonato brasileiro, 1979). De novo, Mestre Telê Santana. Um passeio dos meninos do Palmeiras sobre Zico, Júnior e cia. No papel, jogador por jogador, o Flamengo era claramente superior. Os craques do Palmeiras se chamavam Baroninho, Pedrinho, Jorge Mendonça. Mas essa partida mostra que técnico ganha jogo, sim. Foi um baile tático de Telê. A se destacar, a falta de espírito esportivo do Flamengo no final, colocando jogadores como Beijoca, apenas para distribuir pancadas de forma covarde nos leves e franzinos atletas do Palmeiras.

10. Internacional 0 x 3 Galo (campeonato brasileiro, 1980). O fim da maior dinastia do futebol brasileiro dos anos 1970 aconteceu nesta partida. Quando o tricampeão Inter foi a BH e empatou o 1˚ jogo por 1 x 1, cacifando-se para classificar-se à final com um simples empate no Beira Rio, ninguém acreditava no Galo. Em um dos maiores show do trio Cerezo-Reinaldo-Éder, o Galo esmigalha o Inter no Beira-Rio e sai aplaudido pelos gaúchos. A íntegra desse jogo (disponível no YouTube) é uma aula de futebol: Cerezo transforma-se em arma letal ao RECUAR da intermediária colorada para a alvi-negra, criando assim o espaço para lançar Reinaldo. O 1˚ gol, uma pintura, sai assim.

11. Galo 1 x 0 Flamengo (1980). Um duelo colossal, de titãs, no auge. O jogo foi de 180 minutos e nos 90 primeiros, no Mineirão, o domínio do Galo foi amplo, mas só um gol foi marcado. Rondinelli se machuca em uma jogada casual com Éder e a contusão vira bate-bumbo. Em Minas, intenso clima de revanche, inclusive porque a imprensa sentia que um título carioca (o de 1974, do Vasco) deveria ter sido mineiro (do Cruzeiro de Nelinho). O Galo, três anos antes, alcançara a incrível façanha de ser vice-campeão invicto com dez pontos à frente do campeão. O jogo do Mineirão foi truncado, nervoso, com duas ou três chances desperdiçadas pelo Galo para ampliar a vantagem.

12. Flamengo 3 x 2 Galo (1980). A segunda parte do duelo de titãs no auge. A lamentar, a interferência da arbitragem, da qual os atleticanos reclamam com razão: foram três expulsões absurdas, o VT está no YouTube, é só assistir. Reinaldo, que levou bastante pancada, foi expulso por demorar a se levantar de uma delas. Mesmo assim, o Rei calou o Maracanã duas vezes, a primeira enquanto os rubro-negros comemoravam seu primeiro gol, a segunda quando todo o estádio gritava “bichado”. A arbitragem nervosa e talvez mal intencionada não tira o mérito do Flamengo, que arrancou forças do fundo da alma para vencer um título que parecia perdido depois do segundo gol do Rei. O herói rubro-negro foi Nunes, mas quem jogou uma partida absurda foi Adílio. O Fla investiu pesado nessa final: desfilou Rondinelli na maca, de tornozelo engessado, para insuflar a torcida contra uma suposta violência do Galo, sendo que Rondi havia fraturado o tornozelo em uma trombada visivelmente casual com Éder. Conheço atleticanos que estavam no Maracanã e que torceram para que a última bola do Galo, que Pedrinho perdeu com o gol vazio, não entrasse, porque se o Galo conquista aquele título, certamente alguns mineiros sairiam sem vida do Maracanã, tal o nível da violência e tensão nas arquibancadas. Enfim, nem tudo é bonito nesse jogo, mas o que tem de belo é belíssimo.

Com esses 11 jogos aí, vistos na íntegra, você tem uma ideia bem boa do que de melhor rolou no futebol brasileiro dos anos 1970.

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Idelber Avelar

Autor de Alegorias da Derrota (UFMG, 2003), Figuras da violência (UFMG, 2011), Crônicas do Estado de Exceção (Azougue, 2015) e Eles em Nós (Record, 2021)..